The Helbolha Chronicles: O Sebo do Especialista em Porra Nenhuma.

Era uma vez um sebo no famoso bairro do Salgado em Caruaru…

Olá, jovos e jovas! Hellbolha aqui! Sábado e domingo são os dias em que o site tem menos acessos por razões óbvias, afinal é fim de semana e todo mundo está fazendo algo melhor que ler blogs na internet. Mas, as vezes, eu sou tomado por um tédio ou a total falta de possibilidade de fazer outra coisa, como ler, por exemplo, por motivos alheios as minhas forças, como minha cunhada, minha mãe e meu irmão conversando e eu me sentindo como se estivesse na Convenção Semanal dos Free Talkers Surdos de Caruaru. Hoje é um desses dias e resolvi escrever sobre um acontecimento que me recordei pois visitei um determinado lugar após muito tempo ontem. Obviamente me refiro ao sebo no bairro do Salgado do começo do texto. Então vou falar de como o conheci, o que comprei por lá, as raivas que já tive naquele local e da cara de pau de seu dono, um senhor sem muita instrução e com menos educação ainda. A não ser que você compre muita coisa com ele, aí ele vira seu melhor amigo por 5 minutos! Ah, eu até pensei em mostrar o local pois tem imagens no Google Maps e pensei também em falar o nome do local que tem o mesmo nome do sujeito, mas preferi evitar a fadiga pois tem sempre alguém que acaba levando a conversa pra lá e eu já ando tento raiva com pessoas conhecidas, não quero ter raiva com pessoas que mal conheço. Isto posto, comecemos.

Quando eu tinha por volta de uns 18 ou 19 anos, eu tinha acabado os estudos e não tinha nem previsão de fazer uma faculdade, pois por aqui só haviam as particulares e eram/são caras pra porra. Faculdade federal só apareceu por aqui no governo Lula, com seu terrível plano comunista de educar os pobres com ensino superior dando oportunidades que só os filhos dos ricos tinham. MALDITO MONSTRO SEM ALMA! FAZENDO OS POBRES SAÍREM DA POBREZA! COMO OUSA?

Bem, nessa época eu, que tudo que fazia era ajudar minha mãe na pequena confecção que ela tinha em casa e tinha um dia livre sem nada pra fazer quando ela ia a feira da cidade vizinha, tinha o hábito ir ao centro a pé, já que não tinha paciência de ficar entre 40 minutos e uma hora esperando o ônibus quando a caminhada de 8 quilômetros levaria meia-hora. Ah, e eu voltava a pé também! Jovem, desocupado e com disposição só faz merda! Hoje eu ando até o ponto de ônibus e já estou implorando para que o Senhor tenha misericórdia e ceife minha vida pra acabar com a dor e o sofrimento de ter andando 500 metros inteiros embaixo do sol quente.

O caminho de ida e volta é quase uma linha reta e, obviamente, o caminho fica tedioso pra um jovem. Eis que um dia decido me aventurar fazendo um caminho de volta diferente e resolvo cortar caminho pelo famoso bairro do Salgado, a Detroit Caruaruense daquela época. Se vocês pensam que o bairro do Salgado de hoje, que sempre passa no programa Sem Meias Palavras é perigoso, eu preciso lhes dizer que outros bairros começaram a competir e lhe tiraram a coroa. Um bairro chamado Centenário, por exemplo, é considerado mais “barra pesada” que o Salgado hoje em dia! Mas na época, sim, era como se eu tivesse entrando na Nova Iorque do filme Fuga de Nova Iorque. E eu fui meio assustado, meio animado, com a adrenalina correndo pelo desafio retardado de atravessar um bairro perigoso. Mas o bairro do Salgado não era a mesma linha reta que o tradicional caminho para o centro, aquela porra é um labirinto onde se os pais do Bruce Wayne fossem assassinados em um de seus becos, o Batman toda noite iria chorar em um beco diferente por não lembrar onde caralhos era o beco original.

E foi nesse “entra rua, sai rua” que me deparei com um quartinho de 4×4 metros abarrotado por livros e revistas velhas e com as paredes adornadas por revistas e DVDs de putaria. Porém, vi um gibi emergindo do meio de toda essa tralha e entrei pra dar uma olhada. O dono, um sujeito baixinho de bigode que se veste igual até hoje (bermuda, camiseta regata, boné e chinelos) me atendeu, mandou eu ficar a vontade mas fazia questão de não me deixar a vontade dizendo que todo e qualquer lixo que ele tinha era coisa boa, bonita e barata. E, muitas vezes, não eram nenhuma das três.

Ele tinha uma pilha de formatinhos aleatórios da Abril com capa (essa frase vai fazer sentido mais adiante, acredite) e vendia a R$3,00. Na época a Panini havia acabado de tomar o lugar da Abril e as mensais custavam R$6,90. Os formatinhos custavam R$2,50 na época da Abril, mas pra ele, aqueles formatinhos com a Saga do Clone, por exemplo, eram coisa boa e ele sempre falava (e fala até hoje) ” UM GIBI DESSE NA BANCA É 6 OU 7 RÉAU!”. O gibis não valiam os R$3,00 pela qualidade das histórias e qualquer coisa em banca era muito melhor que as porcarias da Abril que ele estava vendendo lá. No outro canto, uma pilha de formatos americanos da Abril custando 5 conto e a mesma ladainha “SÓ TEM COISA BOA”. Tinha Heróis Renascem. Calculem o quão “boa” eram essas coisas.

Mas eis que olho mais pro lado e vejo uma pilha de formatos americanos da Abril e da Mythos sem as capas.Uma pilha GIGANTE! E quanto elas custavam? R$1,00! Como eu sempre digo, meu interesse principal é ler, não enfeitar prateleiras ( que eu nunca tive). Comprei uma pilha de gibis sem capa, entre eles grande parte da mini série em 12 partes da Abril de Watchman (até hoje só faltou uma edição pra completar a série “descapada”), a mini-série em duas partes A Brigada dos Encapotados da Brainstore, duas das quatro edições de Superman: As Quatro Estações da Abril, Hell Eternal da Brainstore, o encadernado Lúcifer: A Opção Estrela da Manhã também da Braistore, Batman: Operação Escócia da Mythos, Hellboy: O Gigante Infernal também da Mythos e Imagine Mulher-Maravilha de Stan Lee com desenhos de Jim Lee, pois nada é perfeito.

Obviamente fiquei maravilhado com a descoberta e lembro que outra vez tentei voltar lá e não achei o lugar, pois como disse antes, entrar no Salgado sem conhecimentos do bairro é entrar num labirinto gigante. Porém, mais tarde voltei a encontrar o lugar e comprei coisas bem menos interessantes mas como eram baratas, mal não faziam. E sempre muito bem recebido, mesmo que do jeito bronco do dono. Mas eis que um dia eu passo lá ocasionalmente pra ver se tinha chegado alguma coisa nova e não tinha. Procurei por uma meia-hora e, enquanto isso, o dono rabugento de bigode estava vendendo umas revistas pornôs pra uma molecada de uns 12 anos que estavam colocando embaixo da camisa. Em um desses momento o dono rabugento fala pra um dos moleques mas com a voz projetada pra minha direção “CLIENTE BOM É ESSE, QUE LEVA MUITA COISA! NÉ QUEM NEM OUTROS AÍ NÃO!” se referindo a mim que estava saindo sem levar nada após procurar por mais de meia hora. Na época eu era um cara tímido, calado, magrelo e cabeçudo que detestava discussão e engolia muito sapo. Hoje em dia, mais velho, beeeem longe de ser magro, muito mais impaciente com gente escrota e sem saco pra ouvir merda calado, provavelmente teria voltado e dito “EU JÁ COMPREI UM MONTE DE MERDA DE TI, SUPER MARIO DO SATANÁS! AÍ, HOJE, QUANDO NÃO ACHO NADA, EU SOU UM MAL CLIENTE? QUER DIZER QUE EU SOU OBRIGADO A COMPRAR TEUS LIXOS SÓ PORQUE PISEI NESSE TEMPLO DE ADORAÇÃO DAS BRASILEIRINHAS E DAS PRODUÇÕES DO ESTÚDIO ÍCAROS? VAI TE FODER! NINGUÉM É OBRIGADO A ENTRAR EM UM COMÉRCIO E COMPRAR! E AS BOSTA DE UM LIVRO DE ELETRÔNICA DE 1972 NÃO TEM SERVENTIA PRA QUEM TÁ FAZENDO FACULDADE EM 2004, DOIDO DO CARALHO! PARA DE INDICAR ISSO PROS ESTUDANTES!”. Mas, na época, só fui embora calado e de cara feia.

Os anos se passaram e nunca mais voltei lá. Até que eu comecei a dar uns rolês pela cidade com meu miguxo, Lafaiete Anderson, que era redator da área de quadrinhos no falecido Hellbolha.Nerd. Eu tinha contado essa história pra ele e vivia dizendo que o velho bigodudo era chato e ignorante, mas resolvi levá-lo lá pra gente ver se tinha algo bacana e barato. Lembrado que eu já era bem mais velho, deixei a cara de adolescente pra trás e agora tinha uma cara de quem poderia receber o título de morador honorário do bairro do Salgado. Muitas foram as vezes que as pessoas correram com medo de mim a noite achando que eu as iria assaltar (e isso não é piada, aconteceu pelo menos 4 vezes naquela época e muitas outras vezes nos anos seguintes). Fui completamente desencanado. Chegando lá, o velho bigodudo nos recebeu com sua gentileza habitual para novos clientes, não sei se me reconheceu, mas como eu era bem maior agora, só falava comigo gentilmente. E, não, não tinha nada de bom. Na entrada da loja tinha uns gibis que haviam chegado, em sua grande maioria Heróis Renascem. Foi nesse dia que ele apontou pra número 1 do Capitão América do Liefeld e disse “ISSO AQUI É CINCO RÉAU! É COISA BOA! UM GIBI DESSES NA BANCA É UNS VINTE CONTO! MAS EU VENDO POR CINCO! ÓI, ISSO AQUI É RARIDADE! VOCÊ NÃO ENCONTRA EM LUGAR NENHUM!” ao que eu, olhando pra cara dele com um sorrisinho de “homi, fexesticu…óbvio que isso é raridade! O povo usa essa merda pra embrulhar peixe e forrar gaiola” mas só soltei um “uhum…”. De repente, Lafaiete pega uma mensal aleatória de Star Wars da Panini e paga 10 contos nela. Eu achei que ele precisava daquele edição em sua coleção, pois era uma edição completamente aleatória MESMO. Eu, obviamente, não levei nada pois não tinha nada que realmente valesse nem um realzinho. Quando nos distanciamos, Lafaite larga um “Velho filho da puta…” ao que eu pergunto “O que foi?” e ele diz “Me fez dar 10 conto nessa merda!” e eu pergunto “Ué…e porque tu comprou se não queria?” ao que ele treplicou “Tu fez o maior terrorismo desse véio, dizendo que ele era brabo e ignorante. Eu fiquei com medo de sair sem levar nada e ele atacar a gente!” e desde então o ódio que Lafaiete nutriu pelo véio bigodudo e pela edição aleatória de Star Wars sempre me faz rir.

Ano passado, antes da pandemia, resolvi passar lá de novo, já que estava próximo e fazia anos que não entrava no local. Estava muito melhor organizado, espaçoso e sem a pornografia espalhada pelas paredes, elas agora ficam escondidas em um cantinho só delas. Achei os gibis de R$1,00 novamente e comprei coisas bacanas, como edições de Conan, Lobo, Mágico Vento, Ken Parker e outras paradinhas sem capa. Comprei até uma versão com texto resumido da Ilíada de Homero só pelas ilustrações, mas com a capa e custando apenas R$3,00! A pandemia veio e não voltei mais lá. Até ontem, dia 20 de agosto de 2021. Entrei, ele me reconheceu e fez questão de mostrar tudo de novo que havia chegado, mesmo sabendo que eu não tinha interesse em nada daquilo. De quadrinhos, tinha apenas uma HQ que adaptava O Livro das Selvas, vulgo “Mogli, o menino lobo” em espanhol e que ele fez questão de me mostrar dizendo que era ótima, incrível, a melhor coisa já feita em termos de quadrinhos. Obviamente ele nunca leu e claramente ele não viu que estava em espanhol. Mas queria me vender a R$10,00 dizendo que estava diminuindo o preço porque originalmente era R$20,00 , como a fita adesiva com um pedaço de papel escrito “20” demonstrava. Ignorei. Em um canto havia a edição 14 de A Teia do Aranha da Panini de 2012 com o Venom na capa, a edição número 4 da mini-série Guerra dos Reis lançado pela Panini em 2012 e com o Raio Negro na capa e entre a duas uma edição das Winx. As três pesas por um elástico. Perguntei ao véio bigodudo se aquilo era tudo que ele tinha de quadrinhos. Ele se recostou na porta, olhou pro horizonte enquanto cutucava os dentes com um palito e disse “É…MAS ESSES AÍ SÃO CAROS!- falou em tom de alerta – FOI UM RAPAZ QUE MANDOU GUARDAR PORQUE ESSAS SÃO DIFÍCIL DE ACHAR! MAS SE QUISER LEVAR – deu de ombros – EU VENDO! TÔ NEM AÍ, NÃO MANDEI DEMORAR PRA VIR PEGAR!”. A Teia do Aranha tinha as páginas tortas porque, claramente, haviam caído na água em algum momento de sua existência. A capa era cheia de amassados e vergões, as pontas das capas que não estavam dobradas estavam rasgadas e a capa, que deveria ser branca, estava cinza de grude. A edição de Guerra dos Reis…como posso descrever…parecia que tinha sido usada como lixa pra lixar uma parede de chapisco. A edição da Winx eu não sei como tava, mas com certeza tava melhor que essas duas. Simplesmente agradeci e saí, dessa vez ele mandou um “Apareça” pois eu já não passo mais a confiança de que ele possa me mandar indiretas sem que eu lhe dê um soco tão forte que o bigode dele vá sair pela bunda e se torne um “cugode”.

Apesar do atendente turrão e sem modos, esse sebo tosco já me deu muitas alegrias como leitor. Ainda voltarei lá caso passe por perto, pra ver se chegou algo bacana e barato. Mas acho difícil. Ao contrário da minha amada Barraca Santana do Livramento, a qual tem um senhorzinho que atende MUUUUUUITO melhor que o véio bigodudo e já me proporcionou muitas alegrias quadrinisticas COM CAPA e a preços ridiculamente baixos! Mas isso é assunto pra uma outra história.

CURIOSIDADE ADICIONAL!

Na minha ida a este sebo em 2020, encontrei uma HQ peculiar na pilha de R$1,00. Primeiro porque ela TINHA CAPA. Segundo porque é uma edição anual de Night of the Living Dead. Só que essa edição NUNCA FOI PUBLICADA NO BRASIL! Aparentemente alguém pegou o scan, imprimiu em um papel offset, imprimiu uma capa vagabunda em um papel fotográfico e botou pra vender em algum lugar. Foi para lá no sebo e notem a “etiqueta” com o valor de “20” no canto superior direito da capa. E a arte dessa capa me dá nojo até hoje! Não por ser um zumbi em decomposição, mas por ser uma montagem mal feita pra cacete! E também porque tem uma macha mostrando que foi molhada, e eu torço pra que tenha sido por água limpa…