Tá no Catarse: Assalto ao Útero

Aquele soco no estomago logo em forma de quadrinho.

Pois é, jovos e jovas, nosso menino Gariba, além de cosplay por natureza do Lupin III, também é roteirista! Assim sendo, vou chamá-lo pelo seu nome civil, Victor Zanellato, já que o assunto é profissional e não vou deixar essas costeletas sensuais afetarem meu julgamento. Então vamos falar do projeto que o Victor, ao lado do desenhista Diogo Mendes, estão lançado no Catarse sob o selo Estúdio Molotov HQ: Assalto ao Útero.

Em Assalto ao Útero acompanhamos Cristina, uma catadora de materiais recicláveis que está gravida e as portas de se tornar mãe solteira, já que perdeu seu marido recentemente. Seu único suporte é Benedita, uma mulher transexual que faz programas para sobreviver. O nascimento da pequena Dandara é uma dos poucos e escassos raios de alegria que Cristina enxerga em seu futuro, mas tudo muda quando o sistema (leia-se “gente rica, influente e filha da puta”) julga que uma “catadora de papelão favelada” não está apta para ser mãe e resolve bloquear esse tênue raio com as sombras da ignorância e do preconceito e demonstrar que o dinheiro,muitas vezes, está acima do valor de uma vida humana.

O Estúdio Molotov HQ surgiu com a proposta de trazer a critica social aos quadrinhos, sobretudo da realidade do ABC Paulista e de todo Estado de São Paulo, realidade em que Victor Zanellato vive e conhece tão bem. E foi a partir de uma critica social em forma de música que Assalto ao Útero tomou forma. A HQ se baseia na música A Mão que Assalta o Berço do rapper Eduardo Taddeo que, por si só, já é uma baita pancada na consciência. Só que enquanto a canção narra a história de um pai de família pobre, também catador de papelão, Victor Zanellato tem a sacada genial de inserir outras fontes de preconceito que a “elite” parece ter fetiche em criminalizar. No lugar do “preto pobre cheio de filhos sem necessidade” temos a “preta pobre e mãe solteira” que, pra piorar, tem como melhor amiga um “traveco”. Ou seja, é o balde perfeito onde a “elite” adora vomitar seu preconceitos e julgamentos.

Zanellato também insere de forma incomodamente realista outras pinceladas que compõem o deturpado quadro da justiça brasileira e que vemos todos os dias pendurado de forma obscena nas paredes do nosso país. Desde os policiais que acham que justiça é subjugar através da força e que seus uniformes lhes dão direito de serem juiz, juri e executor e que parecem esperar avidamente pelo afago e a aprovação da “elite”, até o apresentador do programa policial sensacionalista que julga sem conhecer os fatos, aponta dedos sem conhecer a história de vida dos acusados e se vende como defensor da moral e bons costumes. Essa cena do apresentador é curtinha mas me preencheu de um ódio gigante…

Já arte de Diogo Mendes merece os parabéns! Enquanto o roteiro do Victor nos pega por uma mão e nos conta a história,os desenhos do Diogo nos pegam pela outra e apontam os locais onde ele acontece. Eu já vi muita HQ nacional onde o Brasil pobre que aparecia nela pareciam muito mais os becos de Nova Iorque que o desenhista cansou de ver quando lia Spawn a exaustão nos anos 90. Já Diogo nos apresenta uma São Paulo facilmente reconhecível nos pequenos detalhes. Desde a proteção lateral de um viaduto até um portão de alumínio no fundo de uma cena, eu sinto a familiaridade e sei que aquilo é o Brasil, coisa que eu não vejo quando olho um desenho de quatro mendigos pesadamente agasalhados tentando se aquecer em volta de um latão de lixo expelindo chamas rodeados por altos muros de edifício e o autor me diz que aquilo é o Rio de Janeiro, onde o calor comer solto.

A narrativa do Diogo é ótima, com composições de cena muito bem trabalhadas. Destaque pra duas cenas em específico, a primeira quando a Cristiana sai de casa pra pedir ajuda a Benedita, que é uma sequência em cinco. Quando a personagem chega ao quadro central, ela para e uma sombra negra desce sobre ela, e essa foi a melhor representação gráfica da dor de uma contração que eu lembro de ter visto em uma HQ. No quadro seguinte, essa negritude começar a se dissipar e você perceber que ela recuperou as forças pra continuar andando. A segunda é a cena onde uma personagem se despede de outra e a página é a coisa mais linda de se ver!

Aliás, o colorista não está creditado mas eu creio que tenha sido trabalho do próprio Victor Zanellato. Ele perguntou sobre as cores de um maquinário médico ao Godoka durante uma conversa que estávamos tendo no Discord e mostrou um pedaço de uma página que, se a memória não me engana, era da cena do parto. Refresque minha memória nos comentários, Victor, porque caso isso se confirme…PARABÉNS! As cores estão FANTÁSTICAS! Sobretudo na supracitada cena da despedida, onde elas estão lindas!

Ah, mas aqui não tem só rasgação de seda porque todo mundo é amiguinho! Nada disso! Pra fazer uma resenha eu acredito que honestidade é um fator primordial! E,sim, tenho criticas a alguns pontos da HQ tanto no roteiro quanto na arte!

No roteiro tem alguns aspectos que são apresentados muito de soslaio. Alguns você consegue imaginar e até criar uma história em sua cabeça devido ao cenário onde ela se passa e a realidade onde vivemos, como é o caso da morte do marido da Cristina. Não nos é dito como ele morreu, mas dado o contexto social, você consegue pensar em algumas possibilidades bem palpáveis. O problema de verdade, pra mim, foi descobrir que Benedita era uma mulher trans já perto do fim da trama. Até então, pra mim, ela era só uma prostituta comum. O fato dela ser trans traz um peso e uma profundidade muito maior a personagem e daria um plot secundário cheio de possibilidades. Claro, essa ideia pode ter ocorrido ao Victor mas o número de páginas pode não ter permitido, pois era preciso se focar na trama que dá título a HQ. Outra coisa que também é pouco explorado e fica mais subentendido é o esquema que o hospital tem de “venda”de bebês. Eu gostaria de ver mais dos detalhes do funcionamento desse esquema.

Quanto aos desenhos do Diogo, só dois poréns. O primeiro é que a casa da Cristina é…como posso dizer…”inteira demais”, creio que seja o termo que procuro. Digo, ela mora num bairro pobre mas todas as paredes de sua casa parecem recém rebocadas e pintadas! Eu não estou dizendo que “pobre tem que ter a casa suja”, JAMAIS! Se tem uma coisa que aprendi com minha mãe é que não importa o quão pobre você seja, preze sempre pela limpeza. Só que é inevitável, e falo isso com conhecimento de causa, ter um probleminha de infiltração aqui, um reboco rachado ali, uma telha com manchas de mofo acolá…coisinhas que você QUER consertar mas nunca sobra um trocado pra fazer!

Já o segundo porém é na cena do hospital, onde a assistente social aparece com dois seguranças pra falar com Cristina. O traço do Diogo é ótimo, o jeito como ele desenha a Cristina e a Benedita é maravilhoso, elas exalam personalidade. Mas essa assistente social e seus seguranças…eles tem um estilo de desenho que destoam demais de todo o resto, com um pézinho quase no estilo mangá. Achei estranho…

Mas nenhum desses probleminhas (pra mim) que mencionei tiram o peso da mensagem da obra. Ela ainda é forte, contundente e necessária. E pra que você tire a prova disso, é muito simples! A HQ está no Catarse e você pode contribuir com valores que vão de R$10,00 a R$30,00. Como diz aquela piadota, tá BBB, Bom, Bonito e Barato. Deixarei o link logo abaixo, então corra lá AGORA e contribua pra que a gente possa ver muito mais desse projeto do Estúdio Molotov HQ de trazer quadrinhos nacionais com mensagens pertinentes (ao invés de ficarem copiando Marvel, DC e…Jesus me perdoe…Image dos anos 90…uuurgh…).

Nota: 8,5

CLIQUE NA IMAGEM ABAIXO PARA IR À PÁGINA DO CATARSE!

PS: Assim que você contribuir no Catarse e tiver sua HQ em mãos, volte aqui nos comentários e nos diga se achou a aparição a la Stan Lee do Eduardo Taddeo na HQ!