Review Vingativo: O Corvo
“…um cara…uma garota…um Plymouth 71…a garota…ela se chamava Shelly…”
Se você ouviu o Bem Amiches #214- Filme Que Não Enjoam, já deve saber que um de meus filme favoritos é O Corvo. Dirigido por Alex Proyas e estrelado por Brandon Lee, o filme é famoso não apenas por sua qualidade, mas por uma tragédia em seus bastidores, a morte acidental de Bradon Lee durante a filmagem de uma cena onde acabou sendo atingido por um projétil real em uma arma que deveria ter apenas festim. Saber de tal fato só contribui com o clima melancólico que o filme tem por natureza. No entanto, o que muita gente não sabia quando o filme foi lançado (eu me incluo nessa lista), é que o longa é baseado em uma HQ que também carrega uma história trágica em seus bastidores. E é graças a editora Darkside que podemos conhecer não apenas essa HQ como a trágica história real contada pelo próprio autor. Mas, primeiro, uma sinopse básica:
Eric Draven e Shelly Webster são um casal comum. São jovens, estão apaixonados e pretendem se casar. Tudo muda quando, certo dia, o carro de Eric quebra em um estrada escura e deserta. A tragédia se anuncia quando o único carro a passar pelo local trazia um bando de marginais pesadamente drogados. Ao ver o carro parado no acostamento, resolvem parar e “oferecer ajuda” a Eric, que prontamente recusa. O resultado são dois tiros a queima roupa na cabeça de Eric que, apesar dos danos, continua consciente apenas para assistir sua amada ser estuprada e morta sem nada poder fazer. Eric ainda é levado para o hospital mas depois de horas de sofrimento, acaba falecendo. No entanto, tempos depois, Eric ressurge misteriosamente no mundo dos vivos. Sua única companhia é um corvo falante que parece guiá-lo e seu único objetivo é encontrar os cinco homens que violentaram e mataram Shelly: TinTin, Fun Boy, T-Bird, Top Dollar e Tom Tom. Ele irá caçá-los…e irá fazê-los sofrer.
Antes de falarmos da HQ em si, vamos falar um pouco do seu autor, James O’Barr. A história de O Corvo veio a O’Barr após uma tragédia pessoal ocorrida na adolescência. Acontece que, certo dia, um jovem O’´Barr não podia sair com seu carro pois estava com multas atrasadas e não queria correr o risco de ser pego pela policia e ter o carro apreendido. Assim sendo, ligou para sua namorada, explicou a situação e pediu para que ela viesse buscá-lo. Durante o trajeto, a namorada de O’Barr acabou sendo vitima de um atropelamento. O motorista do carro estava bêbado e a garota morreu na hora. Na cabeça adolescente de O’Barr a culpa era dele. Ele ligou para ela e pediu para buscá-lo. Se não tivesse feito isso, ela não teria morrido. E na cabeça do adolescente O’Barr, tudo que ele queria fazer era matar o tal motorista bêbado de novo, de novo e de novo e das maneiras mais cruéis possíveis. Afim de extravasar sua raiva para não explodir de vez, O’Barr resolveu transferi-la para o papel. E assim nasceu O Corvo, um conto de vingança que carrega os sentimentos mais íntimos do autor.
Antes que você corra pra comprar O Corvo em total desespero, deixe-me lhe avisar: Essa HQ nasceu praticamente como um fanzine. O próprio O’Barr admite que suas capacidades artísticas eram limitadas, portanto não espere um traço rebuscado. O traço de O’Barr era irregular, com alguns pequenos erros anatômicos (como cabeças um pouco grandes com relação ao corpo dos personagens). No entanto, está longe de ser uma tragédia estilo Rob Liefeld! É preciso lembrar que O’Barr era um adolescente e esse foi seu primeiro trabalho nos quadrinhos, impulsionado pelos sentimentos anteriormente citados, quase que um exorcismo pessoal. Assim sendo, o traço de O’Barr pode desagradar ao leitor desavisado mas é inegável que ele se encaixa perfeitamente ao roteiro e nos entrega o tom sombrio necessário à obra. Porém, acho que esse aviso serve mais aos leitores mais novos ou apegados apenas a traços “bonitos”. Para o leitor velha-guarda, sobretudo aqueles que liam Vertigo em seus primórdios, vocês se sentirão em casa, pois se O Corvo pertencesse a algum selo de editora grande, certamente seria a linha Vertigo da DC. Traçando um paralelo para ficar mais entendível a comparação, O Corvo lembra muito as primeiras edições de Sandman: Um ótimo roteiro com um traço sujo, escuro e mais livre das regras.
Agora falemos do trabalho da Darkside! O Corvo já havia sido lançado no Brasil pela editora Pandora Books em 2003, em capa cartonada com 244 páginas pelo valor ABSURDO de R$62,00 (se hoje é caro, imagine na época). A Darkside traz O Corvo pelo seu selo Darkside Graphic Novel, em capa dura com 272 páginas e custando R$59,90. A diferença entre as duas edições, além da capa dura, do valor e do número de páginas está no tamanho, sendo que a edição da Pandora era menor que um formato americano e a da Darkside é aproximadamente 1 cm maior que este mesmo formato. Outro diferencial fica justamente no motivos por ter mais páginas que a edição da Pandora. Acontece que em 2010, O’Barr resolveu recolocar páginas que, por sua inexperiência com prensas, teve que tirar para fechar as edições imprensas na época. Como já havia perdido muito dos originais, ele redesenhou tais páginas a partir de fotocópias desbotadas que ainda tinha. O’Barr também incluiu algumas páginas inéditas, algumas delas refletindo sua maturidade ante tudo pelo que passou. Outras páginas, O’Barr simplesmente redesenhou, mas essa foram poucas. Essas novas inserções ficam claras pois, apesar de tentar emular seu antigo traço do inicio dos anos 80, O’Barr melhorou MUITO e isso fica claro em uma página onde o Corvo carrega o gato Gabriel nas costas no inicio de um capitulo, que estava na edição original e foi redesenhada em 2010.
Com relação as diferenças entre HQ e filme, você vai notar MUITAS! O filme é denso, pesado e melancólico, mas a HQ é MAIS! Ela é brutal e suas cenas de violência deixam a do filme no chinelo! No entanto, segue sendo uma das melhores adaptações de quadrinhos para a telona. Quiça A MELHOR! Mas, para apontar algumas diferenças marcantes, podemos começar pelos vilões. No filme, o personagem Top Dollar é o vilão principal, sendo transformado em um tipo de “bruxo urbano” frio e calculista, sendo que na HQ é só um dos viciado malucos que é uma das primeiras vitimas do Corvo. Aliás, no filme os bandidos são uma gangue liderados por Top Dollar que matam Eric e Shelly porque querem o terreno do apartamento onde eles moram por questões imobiliárias. Na Hq, eles são só bandidos que matam por serem filhos da puta mesmo, sem mais motivos.
Outra diferença está na menina Sarah, que no filme é praticamente a protagonista ao lado do próprio Corvo, sendo que ela seria tipo um “Danny” enquanto Eric e Shelly seriam “Johnny e Lisa” em The Room, pra citar outro FILMAÇO! Na HQ ela é uma menininha chamada Sherri de uns 7 ou 8 anos que vive uma vida miserável com uma mãe viciada e um padrasto de merda, o qual está envolvido na morte de Shelly. A situação é quase a mesma, com a diferença que Sarah é uma adolescente que sabe se virar sozinha.
As ultimas diferenças dignas de nota são o personagem de Ernie Hudson, que tem participação essencial no filme mas na HQ é bem reduzida (mas também importante) e o fato de na HQ o corvo ( a ave) aparecer pouco e falar com Eric enquanto que no filme, ele é um tipo de animal espiritual que apenas indica os caminhos para a vingança de Eric. Ah, e o personagem Skull Cowboy, que apesar de aparecer pouco na HQ, teve cenas filmada para o longa mas foram deletadas na edição. No entanto, é possível encontrar tais cenas no YouTube. O personagem, ao lado do corvo, seria um tipo de guia espiritual para Eric.
Enfim, O Corvo é uma ótima HQ tanto pela história em si quanto pelo sentimento que carrega. Uma HQ, graças a Deus, independente, o que permitiu seu autor colocar exatamente o que queria nela, sem imposições nem dedos chatos pra deixar a trama mais “palatável” pra o público mais “sensível”. É uma HQ visceral e que merece ser descoberta, caso você nunca tenha ouvido falar do personagem. Leia e, em seguida, vá ver o filme, uma obra igualmente grandiosa.
Nota: 10