Review Retrô- Hellboy: A Espada das Tempestades

O ano era 2005…

…fazia um ano que Hellboy, dirigido por Guillermo Del Toro e estrelado por Ron Perlman, um filme de baixo orçamento baseado em uma HQ de um personagem longe do mainstream, havia feito um surpreendente sucesso. Um segundo filme estava planejado para 2008 mas, até lá, o Revolution Studios planejava se aproveitar ao máximo da marca em outras mídias e a primeira seriam longas animados. Na época os rumores sugeriam estúdios japoneses, visto que filmes como Animatrix, de 2003, foi produzido por vários estúdios japoneses e foi um exito. Os fãs ficaram em polvorosa.

Expectativa.

E eis que chega 2006  e, com ele, o lançamento de Hellboy: Espada das Tempestades. A história se passava no japão, de fato…mas estava MUITO LONGE de ser uma produção japonesa. E aí começou a minha saga de decepções com os longas animados do Hellboy.

Realidade.

Antes de falar propriamente de Hellboy: Espada da Tempestade eu preciso contar como foi o meu conturbado primeiro contato com as animações do vermelhão. Como fã do personagem e de animação, eu estava mais que ansioso para ver os longas animados mas, por alguma razão, os DVDs não chegaram em Caruaru, seja oficialmente ou seja pelo tio caolho e de perna de pau que vendia na barraquinha da feira. Lembrando que eu não tinha acesso a internet na época (só fui ter meu próprio computador, um notebook Toshiba, em 2010 e acesso a internet também nessa época) e não tinha nem pista de como seriam as animações. Foi quando, certo dia, um pastor amigo de meu irmão descobriu que eu gostava de quadrinhos e desenhos animados e veio até mim com uma cópia pirata de Hellboy: Sangue e Ferro. Segundo ele, o DVD foi comprado para seu filho mas ele não tinha noção de que Hellboy era um demônio. Assim que descobriu e afim de afastar a “maldição” de seu filho, como bom seguidor do Cristo Rei imbuído de amor ao próximo, ele resolveu amaldiçoar outra pessoa presenteando-a com o DVD.  Ou seja, EU! Que ato de fé e caridade cristã, não!?

Bem, como não sou um maluco que acha que o demônio está em desenhos animados afim de transformar nossas crianças em avatares do anti-cristo, fiquei mais que feliz pelo presente e logo fui assistir o filme. E qual não foi minha decepção ao descobrir que o que eu esperava ser uma superprodução ao melhor estilo MadHouse (estúdio que animou a primeira temporada de One Punch Man, Death Note, Street Fighter II: O Filme e tantos outros animes de encher o olhos) parecia mais um desenho educativo de baixo orçamento daqueles que passavam na TV Cultura.

Odiei cada segundo do filme mas, ainda assim, queria ver Hellboy: Espada das Tempestades. Consegui o DVD MUUUITO tempo depois e a qualidade técnica não era melhor, só a historia que me parecia mais interessante. E foi essa semana que resolvi re-assistir ambos, já que o  o novo filme do Hellboy, que anda desagradando muita gente, acabou me dando vontade de ver mais coisas com o personagem e lembrei que só tinha assistido aos longas animados uma única vez e com o coração cheio de preconceito. Então, com preguiça de procurar os velhos DVDs que estão soterrados em uma caixa, “comprei os filmes online” e resolvi assistir na ordem certa dessa vez (mesmo que um não dependa do outro e possam ser assistidos em qualquer ordem) e comecei por Hellboy: Espada das Tempestades. Então vamos a sinopse (copiada da internert porque fui escrever minha própria sinopse e acabou ficando do tamanho de uma novela da Record):

Quando um professor universitário abre um portal proibido, acaba sendo possuído por Trovão e Relâmpago, demônios gêmeos que querem retornar ao nosso mundo para despertar seus irmãos, os dragões. Hellboy, a pesquisadora Kate Corrigan e o albino psíquico Russell Thorne viajam ao Japão para investigar. Hellboy acaba encontrando a Espada das Tempestades, que o transporta para um mundo do folclore japonês. Lá ele aprende que a espada não só pode derrotar os demônios, como também é a chave para o retorno deles à Terra. É aí que o possuído professor envia diversas criadores míticas japonesas para recuperar ou destruir a espada.

Antes de mais nada eu preciso dizer que algumas das minhas impressões mudaram nessa segunda assistida. Por ter a mão do Mignola no roteiro, além de termos um clima mais próximo das HQs no geral, é a primeira vez que o Hellboy aparece com sua personalidade real, tal qual nas HQs, ao contrário dos filmes do Del Toro, onde o personagem é praticamente uma criança gigante, e do atual filme onde ele parece um adolescente birrento. O Hellboy dos quadrinhos é praticamente o Stallone Cobra com skin de demônio, sisudo e silencioso a maior parte do tempo e com piadas sarcásticas  e pontuais. E é exatamente assim que ele é na animação, o que já rende muitos pontos.

As demais personalidades dos personagens coadjuvantes também estão bem fieis as HQs, apesar de uma óbvia inclinação a referenciar os filmes tanto que o elenco principal do longa de Del Toro dá voz a seus respectivos personagens. Mas o mais legal é ver FINALMENTE Kate Corrigan, personagem que era parceira do Hellboy em muitas das histórias iniciais do personagem nas HQs, presente em um dos filmes, nem que seja no animado.

A trama se divide em dois núcleos. No primeiro temos Hellboy, que é transportado para o Japão feudal graças aos poderes da Espada das Tempestades, e acaba enfrentando várias criaturas do folclore japonês, com direito a adaptação de uma história curta das HQs chamada “Cabeças”, a qual foi publicada no encadernado Hellboy: A Mão Direita da Perdição e no volume 4 de Hellboy: Edição História, ambos da Mythos.

O segundo núcleo é o mais chatinho, com Abe e Liz presos em uma ilha depois que uma tempestade derrubou o avião onde ambos estavam. Lá eles precisam enfrentar um dos dragões despertados pelos demônios da tempestade, uma criatura marinha gigante que lembra muito o bichão que o Hellboy enfrenta no encadernado Paragens Exóticas. Só que essa trama acaba ficando repetitiva quando Liz começa a colocar fogo no bicho QUE ESTÁ DENTRO D’ÁGUA e o bicho submerge e apaga o fogo e eles repetem esse balé sem sentido umas TRÊS VEZES. De bacana temos o climinha de romance velado entre Abe e Liz tal qual nos quadrinhos. Sim, se você só conhece os filmes, saiba que o Hellboy NUNCA foi apaixonado pela Liz, ela era crush do Abe Sapien.

Agora vamos aos problemas dessa animação. Vamos começar com o visual dos personagens. Lembro que em um extra, acho que do próprio DVD do longa animado, é dito que o Revolution Studios tinha uma cláusula que dizia que os personagens não poderiam aparecer igual em duas mídias diferentes por motivos de “porque sim”. Assim sendo, o visual dos personagens não poderiam ser iguais nem as HQs nem ao filme. Essa decisão IMBECIL PRA CARALHO acabou fazendo o artista Sean “Cheeks” Galloway entrar na jogada como character design. Caso você não esteja ligando o nome aos desenhos, Sean Galloway foi o artista conceitual da série O Espetácular Homem-Aranha, aquele desenho pra lá de bacanudo do cabeça de teia que foi cancelado na segunda temporada pra que a Disney pudesse produzir aquela BAGUNÇA DO CACETE que foi Ultimate Homem-Aranha. E Galloway até fez uns concepts bacanas dos personagens, vejam vocês:

O problema é que da prancheta do Galloway até a mesa dos animadores algo parece ter acontecido. A impressão que dá é que pegaram os desenhos do sujeito e disseram “Não,não,não. Isso aqui não vai vender! Sabe o que vende? Jeff Matsuda! Esqueçam esse traço redondinho e comecem a emular o traço do Jeff Matsuda que é sucesso na certa!” e assim temos o visual mais genérico possível como resultado. E caso você também não esteja ligando o nome a arte novamente, Jeff Matsuda era um desenhista da Marvel do anos 90 que, por ter um traço um tanto cartunesco, acabou ingressando na industria da animação como artista conceitual. Seus trabalhos mais famosos são As Aventuras de Jackie Chan e The Batman. E a impressão que se tem é de que as animações do Hellboy se passam no mesmo universo de As Aventuras de Jackie Chan com o Toru fazendo o papel do Hellboy. Pra piorar, tem um personagem parecidíssimo com o Tio em uma cena e que, coincidência ou não, colocaram a voz do mesmo dublador na versão brasileira.

O Tio do Jackie Chan no universo do Hellboy.

Mas o traço nem é o grande problema ainda. O problema mesmo está na animação de baixo orçamento. Tendo como responsável o estúdio Film Roman Productions, que já agrediu o mundo das animações com “perolas”  do quilate de Turok: Son of Stone, adaptação mal e porcamente animada do famoso jogo estrelado pelo índio caçador de dinossauros, o longas animados do Hellboy deveriam ter um cuidado especial, tendo em vista que são longas, mas a animação tem qualidade de série de TV de baixo orçamento. É dura, travada, sem fluides e com erros grotescos de continuidade e até no próprio traço. Há uma cena onde resolvem usar CG pra fazer uma nuvem rodopiando por sobre a cidade e fica parecendo que colaram um gif na cena.

Outro grande problema está no fato do estúdio aparentemente não saber pra quem direcionar a produção. Ela tem um visual infantil, excessivamente colorido (sobretudo se tratando de Hellboy, que é mais famoso pelas sombras chapadas em preto) com algumas situações engraçadinhas mas, em contraponto, tem cenas violentas demais para uma animação infantil, com direito a decapitações, empalamentos e muito sangue jorrando, sobretudo em Hellboy: Sangue e Ferro que é focado em vampiros.

Apesar de tantos problemas, dessa vez eu me diverti mais com o filme. muita coisas ainda me incomodam mas é bacana ver uma adaptação do Hellboy onde ele age como o Hellboy dos quadrinhos. Não tenho certeza se os longas animados fizeram o sucesso esperado na época de seu lançamento, o que sei é que um terceiro filme estava planejado e foi cancelado sem muitas explicações. O longa se chamaria The Phantom Claw e introduziria o Lagosta Johnson, herói da segunda guerra do qual Hellboy é fã. Infelizmente o novo filme não está sendo nada bem recebido e isso meio que acaba com a possibilidade de qualquer produção animada nova com o personagem, já que ninguém vai investir em algo que não dá retorno. Mas seria ótimo ver algo feito com o mesmo carinho, cuidado e fidelidade que O Incrível Cabeça de Parafuso, outra HQ de Mike Mignola, recebeu em sua versão animada provando que a estética de Mignola funciona divinamente em uma animação. Bem, mas o Hellboy com cara de desenho da TV Cultura é o que temos e, por isso, só posso dar minha nota pra ele.

NOTA: 6,0

 

PS1: Caso você seja fã de Mike Mignola e nunca tenha visto O Incrível Cabeça de Parafuso, se faça essa favor AGORA MESMO! Não esqueça de ativar as legendas! Esse é nota 10!

https://www.youtube.com/watch?v=Z3hJUnPRilA

PS 2: Esqueci de comentar, mas se tem uma coisa que me chama a atenção no Abe Sapien do Sean Galloway é que desde os primeiros concepts, Galloway desenhou o Abe como se , caso fosse humano, teria o biotipo de um homem negro, com direito a um visual meio hip-hop.

Então, tomado pelo tédio, resolvi vetorizar e recolorir o Abe do filme pra gente ter uma noção de como seria o Abe humano.