QUADRINHOS (BARATOS) QUE LI RECENTEMENTE: PARTE 20

YABBA DABBA DOO!

Em 2016 a DC Comics fechou um acordo com a Hanna-Barbera afim de lançar uma linha de quadrinhos reimaginando os personagens clássicos da produtora de desenhos animados chamada Hanna-Barbera Beyond. Os autores teriam total liberdade para modificar mitologias, assim nasceu o Scooby-Doo em meio a um apocalipse zumbi e a Corrida Maluca virou uma cruza de Mad Max com Corrida Mortal. Alguns preferiram fazer um mega crossover entre os próprios personagens da Hanna-Barbera, como pode ser visto em Future Quest, outros promoveram crossovers com personagens da DC, como pode ser visto em DC Encontra Hanna-Barbera. Porém, Mark Russel foi por um caminho diferente. Com o título dos Flintstones nas mãos ele pensou “E se ao invés de reimaginar, dar uma nova roupagem, fazer crossovers e o escambau…eu simplesmente usasse o título pra fazer criticas sociais ácidas e ainda explorar pontos pouco ou nada explorados no desenho original devido a sua natureza infantil?”. E assim nasceu o título mais surpreendente da iniciativa.

Antes de entrar nas questões do título em si, vale dizer como ele chegou as minhas mãos, o que também vai servir de dica pra vocês conseguirem os dois volumes pagando pouco. Assim como muita gente, eu não botei fé em NENHUM título da linha Hanna-Barbera Beyond. Já esperava títulos fracos ou horrorosos, mas eis que começo a ouvir uma galera falar bem de Flintstones. Quando o tão famoso stand do shopping que eu sempre cito nessa série de posts, apareceu, o volumem 1 estava lá entre as HQs de capa cartão que custavam R$10,00. Eu não o peguei de primeira. Na verdade, ele foi o ULTIMO título que peguei na primeira leva de compras (depois os stand trouxe coisas novas, o que eu chamo de segunda leva). Inclusive demorei pra tirar do plástico e ler, pois haviam muitas outras coisas que queria ler primeiro. Foi em um dia de tédio que resolvi abrir o plástico e finalmente ler a revista. E, amiches e amichas…a única coisa que pensei foi “COMO PASSEI ESSE TEMPO TODO COM ESSA PEROLA DENTRO DE UM PLÁSTICO?” e, sem demora, acessei a Amazon e comprei o volume 2 por R$9,90 mais rápido que alguém possa dizer YABBA DABBA DOO!

Fred tentou ir ao Shopping pegar suas edições mais foi multado por desobedecer a quarentena.

Agora sim, vamos falar da HQ em si. Mark Russel não vai recontar nenhum episódio clássico do desenho animado com alguma modificações ali e acolá. Esqueça isso! Os Flintstones basicamente representam o inicio da humanidade como espécie “civilizada”, e é justamente isso que Russel aborda sem esquecer de alfinetar o mundo da politica, da religião, o consumismo, a arte, a ciência, o racismo, a xenofobia, a manipulação midiática entre tantos outros temas genialmente tratados com muito humor ácido e inteligente.

E a lógica também não foi esquecida e o desenhista Steve Pugh (de Homem-Animal, tanto da fase clássica quanto da elogiada fase dos Novos 52) tem ótimas sacadas, como por exemplo o fato de que ao contrário do desenho animado praticamente, não existem gordos, afinal boa parte dos utensílios usados pela população de Bedrock são feitos ou de pedras ou de animais vivos pesados, assim sendo, ou você é magro ou uma pilha de músculos. O mais próximo de gordos que existem na história são os “fordos”, os famosos “fortes-gordos”.

A ÚNICA página onde aparece um barrigudinho nas 12 edições.

A origem do Yabba Dabba Doo, que no desenho era um grito que simplesmente expressava a alegria do Fred e ninguém mais usava, aqui ganha contornos um pouco mais sombrios. No desenho, Fred e Barney fazem parte de um clube onde usam chapéus que lembra o da guarda real britânica só que com um par de chifres nas laterais. Aqui, esse é um chapéu militar e descobrimos que Fred e Barney são veteranos de guerra que fazem parte de um grupo de apoio cujo o Yabba Dabba Doo é um tipo de mantra usado pra lidar com situações tensas. Fui pesquisar e descobri que Yabba Dabba Doo em Hauçá, uma língua falada na Africa, significa “Então tenha cuidado”. Não sei se Mark Russel quis usar a frase nesse sentido, já que o terapeuta do grupo que Fred e Barney fazem parte chama de “Frase sem sentido que inventei”, mas faria bastante sentido.

Ah, e por falar em guerra, a tal guerra em que Fred e Barney se metem é contra o chamado Povo da Árvore. E aqui temos mais uma baita critica PESADA em cima das manobras de manipulação dos jovens que os EUA usam não apenas para alistá-los como para convencê-los a lutarem em suas guerras. Fica claro na história que a alfinetada maior recai sobre Geroge W. Bush e sua “Guerra ao Terror” pós 11 de setembro e a xenofobia criada em cima de qualquer pessoa do oriente médio a partir daí. E essa história tem um final que é um soco no estomago e ainda foi usada para explicar a origem do filo adotivo do Barney, o Bambam.

A violenta batalha contra om Povo da Árvore. Mas que lado estava certo?

E socos no estômago são o que não faltam nas 12 edições que compõem a série. Lembram que eu falei que a HQ explora pontos pouco explorados no desenho original devido a sua natureza infantil? Então…você já parou pra pensar como vivem os “eletrodomésticos” dos Flintstones e da população de Bedrock em geral, já que eles são seres vivos e conscientes, tanto aqui quanto no desenho original, onde as vezes eles falavam com seus donos? Pois bem, aqui a vida deles é mostrada com mais detalhes, e, povo…o negócio é pesaaado…

Descobrimos como os aparelhos se sentem com relação aos humanos e aos seus “trabalhos”, descobrimos também que eles precisam ser “recarregados” e isso, claro, significa alimentá-los. E é justamente nessa parte da descoberta que descobrimos o que acontece com um aparelho defeituoso quando ele é devolvido a loja pra ser trocado por um novo. É cruel…

Fred devolvendo o triturador de lixo.

Mas a crueldade não para por aí. A coisa só piora quando conhecemos a bola de boliche de Fred mais a fundo, um tatu esquentadinho que acaba passando maus bocados quando Vilma resolve presentear Fred com uma bola nova. Antes disso o Tatu faz amizade com um aspirador de pós, um pequeno elefante rosa que tem medo do escuro e que nunca teve um amigo. Eu não quero dar spoilers mas só vou dizer uma coisa, a história de amizade desses dois vai te fazer ficar com um baita nó na garganta além de te fazer refletir como muita gente trata animais de trabalho pesado por aí…

Essa cena vai desencadear o ataque de uma horda de ninjas com shurikens de cebolas contra seus olhos.

Mas nem só de coisas pesadas vive essa HQ! Algumas partes vão te fazer rir e pensar ” eu deveria estar revoltado com isso, mas é tão absurdamente verdadeiro que eu não consigo não rir” como, por exemplo, a criação de Geraldo…ou melhor…de Deus e da religião cristã. Ou o mandato do Clod, o prefeito mais IMBECIL que Bedrock já teve e que vai te fazer lembrar de um certo presidente, além da criação da monogamia, vista com muito maus olhos naquela época.

Em suma, falar demais seria entregar muita coisa que vai te surpreender a medida em que você for avançando a leitura. E conseguir os Flintstones baratinho não é dificil! Como com a quarentena ninguém pode ir aos shoppings procurar nos stands, fique de olho na Amazon. Atualmente (dia 03/04/2020) o site está vendendo cada volume a pouco mais de R$20,00, mas não é raro o preço cair pra R$9,90, então fique atento pois, acredite, vale DEMAIS a pena! Flintstones foi uma das melhores HQs que li em 2019 (quiçá, A MELHOR) e ganhou um lugarzinho no topo da lista de indicações pra quem vem me perguntar o que ler. O único defeito é que acaba.

Nota: 10