O Transe: Livro vs Filme

O Bebê de Rosemary sem a parte do bebê e sem metade da fama…

Pete e Jackie Lawrence, um jovem casal na casa dos 30, está a procura de um novo apartamento em Nova York mas sem sucesso. ou os valores são inversamente proporcionais tamanho do domicílio ou são pessimamente localizados e, ainda assim, extremamente caros.

É durante uma das corridas matinais de Pete que algo completamente inesperado acontece. Após ser assaltado, Pete recebe ajuda de um grupo de homens e mulheres de meia idade que correm juntos no mesmo trajeto que ele, todos trajando roupas de corrida azul, como uma espécie de “clube do jogging”. O grupo oferece a Pete a chance de usar o telefone de sua casa e ele descobre não apenas que todos moram no mesmo conjunto de apartamentos de número 12 que beira um mini condomínio de luxo como um dos apartamentos está vago e extremamente barato em comparação com os outros locais que Pete e Jackie visitaram.

Jackie mal pode acreditar nas boas novas e, ao visitar ao local, não tem mais dúvidas! Aquele é o lar dos sonhos com o qual eles tanto sonharam! E o melhor, o grupo de meia idade, 4 casais no total, são cuidados e amorosos e Pete e Jackie, órfãos há anos, sentem como se tivessem ganhado um pacote com 4 novos pais. Além deles, moram no conjunto de apartamento número 12 outro casal na mesma faixa de idade de Pete e Jackie, Kim e Dave Barnett, com o qual os Lawrence fazem amizade imediatamente. Os dois jovens casais são influenciados pelos mais velhos a levarem uma vida mais saudável e praticarem corrida junto com eles, se mostrando como exemplos, já que apesarem de estar na casa dos 50 demonstram ter mais força física e energia que os jovens Lawrence e Barnett juntos. Por parte de Pete a proposta é muito bem vinda, mas Jackie, fumante inveterada e apaixonada por boa bebida e ótima comida, o convite não se torna atrativo. Apenas quando descobre que uma jovem chamada Allison, sobrinha de um dos moradores do número 12, está fazendo companhia a Pete, é que ela decide aderir ao modo de vida saudável. Mas o que se inicia por ciúme acaba se tornando um hábito.

Tudo corre perfeitamente bem na vida dos Lawrence até que os Barnett somem misteriosamente. De acordo com os moradores mais velhos do número 12, eles tiveram que se mudar para São Domingos, na Republica Dominicana as pressas pois Dave, como funcionário de um canal de TV, havia recebido uma proposta irrecusável. Só que as coisas parecem não bater pra Jackie que começa a desconfiar dos cuidados excessivos e das histórias mal contadas dos moradores do número 12. E quanto mais ele investiga, mais complexa e sombria a situação se torna. Afinal, qual o segredo dos moradores do número 12?

O Livro

Escrito por Brooks Stanwood e lançado em janeiro de 1979 nos EUA com o título original de The Glow (O Brilho), o livro chegou ao Brasil pela editora Record, aparentemente no fim desse mesmo ano sob o HORRENDO título de O Transe que não faz sentido NENHUM com a trama! Talvez a Record quisesse evitar confusão com O Iluminado de Stephen King que tinha chegado ao mercado nacional dois anos antes mas, ainda assim, a escolha foi uma merda.

A Record lançou o livro em duas ocasiões, uma com uma capa onde uma jovem pratica cooper devidamente trajada e que tem tudo a ver com a trama (imagem acima), e outra com uma capa que parece uma caixa de tintura pra cabelo que faz parte de uma coleção INTEIRA onde simplesmente colocaram mulheres na capa por motivos de foda-se não importando o teor do livro. E é esse exemplar que eu tenho.

Pra vocês terem uma ideia da desgraça, eles COMETERAM “O Iluminado” do Stephen King com uma capa nesse estilo também:

Antes de entrar na trama, eu preciso citar também a tradução. O livro é de 1979 mas pela linguagem parece que quem o traduziu foi Pero Vaz de Caminha por volta de 1480! Sério, eu não sei NADA sobre o tradutor João Távora mas eu não duvidaria duas vezes em casar uns 10 conto apostando que o sujeito é português e não brasileiro! A tradução parece coisa do Brasil colonial e quando os personagens mais jovens vão conversar, parece que estamos lendo um diálogo entre idosos da aristocracia! Isso sem falar que o sujeito não traduz alguns termos em que os personagens usam expressões em latim ou francês pra se referir a objetos. Eu tenho uma memória péssima e não vou lembrar nenhuma aqui de imediato então vou criar um exemplo. Digamos que a frase poderia ser:

– Pete estava com uma muriçoca chupando seu sangue e não se deu conta. Foi quando Jackie entrou na sala, viu a cena e, sem aviso, lhe deu um tapão bem no meio do pescoço, o que espantou o inseto.

Aí, na tradução do João Távora ficaria:

– Peter tinha um pernilongo a lhe chupar o sangue e não se deu por notar. Nesta feita, quando Jackie adentrou o vestíbulo, vislumbrou o ocorrido e, sem admoestação, acertou-lhe um robusto golpe de mão espalmada em cheio na altura do cu, o que estupefez o culicidae sorvedor de sangue.

No Review.MP3 que fiz sobre o livro do Rambo eu disse que haviam umas 4 ou cinco expressões datadas no livro, aqui e ali, mas que era só isso e o livro é de 1971. Como que um livro de 1979 tem uma tradução INTEIRA JÁ DATADA PRA PRÓPRIA ÉPOCA?

Enfim…agora vamos falar da trama.

Ela não é nenhuma Brastemp! O livro é, muito comumente, comparado ao clássico O Bebê de Rosemary de Ira Levin publicado em 1967, e a comparação não é a toa. As tramas são muito similares e, se o filme O Bebê de Rosemary for muito fiel ao livro, o qual eu infelizmente nunca li, creio que o ritmo seja muito similar também, pois as revelações só vem nos últimos dois ou 3 capítulos sendo que o livro tem 237 páginas e a maioria esmagadora dos capítulos ficam entre 3 ou 4 páginas. Então, sim, o ritmo do livro é arrastado e não faz jus a alcunha de “terror” como muita gente o descreve por aí. “Thriller”, como vem estampado na horrenda capa do que eu tenho cabe melhor.

Porém, apesar da lentidão, a construção da relação do casal Lawrence é bacana e distrai do andamento lerdo da trama. Em contraponto, quando Jackie começa a investigar os acontecimentos estranhos, muita coisa cai no campo da conveniência preguiçosa. Fulano perdeu tal objeto. Jackie vai numa loja de penhores da esquina e encontra tal objeto ao acaso. Beltrano disse que nunca faria tal coisa. Uai…Beltrano sumiu? Ah, é, ele foi fazer tal coisa que ele disse que nunca faria! Cicrano apareceu investigando tal coisa e foi falar com aquela pessoa suspeita. Cicrano apareceu morta horas depois de falar com aquela pessoa suspeita! Quem será que matou Cicrano? E por aí vai…

A graça do livro não está em descobrir que os moradores do 12 estão usando jovens inquilinos pra se manterem jovens e atléticos. Isso está implícito na sinopse do livro! A graça está em descobrir o que eles são e como o fazem! Eu montei várias teorias na minha cabeça no decorrer do livro e devo dizer que a revelação final tal como é não me passou exatamente como era de fato, mas chegou bem próximo. O que desagrada mesmo é que quando isso é revelado, o título “O Transe” não faz merda de sentido NENHUM! Se houvessem traduzido para “O Brilho” aí sim, faria sentido na trama! Mas quando os personagens falam “O Transe” fica uma coisa completamente IMBECIL já que NINGUÉM entra em transe NENHUM nesta porra desta história e “O Brilho” se refere mais a condição física da pessoa. Ainda tô puto com esse título “O Transe”. O pior é se a pessoa passar por você enquanto lê o livro em um local público, lê o título errado, vê a foto da mulher na capa e fica achando que você tá lendo aqueles romances de putaria de banca do tipo Sabrina.

Creio que tanto o fator “Parece O Bebê de Rosemary” quanto o fator “É bem lentinho, né…” não fizeram o livro explodir em sucesso, apesar de ter sido muito popular na época de seu lançamento. Porém foi relançado poucas vezes nos EUA. Na minha pesquisa eu encontrei apenas cinco versões lançadas lá fora desde 1979. Aqui no Brasil só temos os dois lançamentos da Record, o de 1979 e essa versão que eu tenho creio que tenha sido lançado no meio dos anos 80 já que todas as mulheres nas capas dessa coleção HORROROSA da Record tem todo o estilo dessa época.

Se fosse pra dar uma nota ao livro, eu daria uma nota 7,0. Não assusta em nada, não é a coisa mais maravilhosa do mundo mas é um bom passatempo.

O Filme

Só imagino a raiva de quem comprou esse DVD pela capa esperando um filme de terror sobrenatural…

Como eu disse, apesar de gozar de certa fama na época de seu lançamento, o livro não chamou atenção o suficiente de Hollywood. Talvez por O Bebê de Rosemary, lançado nos cinemas em 1969 com enorme sucesso, levasse a incitar as inevitáveis comparações.

Fato é que O Transe (urgh…) só veio a ganhar uma adaptação em 2002, e foi direto pra TV. Estrelado pela atual esposa da apresentadora Ellen DeGeneres, Portia de Rossi, e pelo Superman havaiano, Dean Cain, o filme foi produzido pela Fox e ainda conta com nomes completamente desconhecidos, os quais nem vou me dar ao trabalho de pesquisar pra por aqui porque nem vale a pena já que o filme é HORRÍVEL!

Dean Cain e Portia de Rossi antes de lerem o roteiro

E a Fox parecia ter um conceito muito firme dentro da empresa no inicio dos anos 2000 que era “Pegue o material fonte…e jogue no lixo! VAMOS FAZER MAL FEITO!”. Pra comprovar isso basta lembrar das adaptações dos filmes da Marvel levados a cabo pela produtora (excetuando X-Men onde, dos 10 filmes feitos, eles acertaram em 5 e ninguém me tira da cabeça que foi por puro acidente). Com The Glow não foi diferente!

Dean Cain e Portia de Rossi após lerem o roteiro mas lembrarem que já tinham assinado o contrato

No livro, o exercício da corrida é um dos pontos base da trama. Há capítulos INTEIROS (certo que são capítulos de 3 ou 4 páginas como eu já disse…) que se desenrolam durante essa atividade e muitos plots são desencadeados por causa dela também! No filme? No filme é citado que Pete…digo…que Matt, pois, sim, mudaram o nome do personagem SEM RAZÃO NENHHUMA; corre no começo, e só voltam a lembrar disso no MEIO do filme e voltam a ignorar isso até o final. Já Jackie (que ainda se chama Jackie) liga o foda-se pros exercícios por 99% da película. O que acompanhamos é uma Jackie que fuma feito uma caipora, com o que lhe der vontade, faz pouco de quem pratica exercício e dorme grande parte do tempo livre (que o filme dá a impressão de ser MUITO). Ou seja, ela é uma pessoa adulta comum! A trama aqui é desencadeada porque Jackie começa a ver os velhinhos do número 12 se contradizendo em muitos momentos e agindo de maneiras estranhas em outros. Ah, mas o filme mantém as conveniências preguiçosas também, as vezes até pior que as do livro! Hã? O que? Você achou estranho em ter falado “velhinhos do número 12” quando eu disse que no livro eles estavam na casa dos 50 anos? Então…é a Fox! E, como eu também disse, eles CAGAM pro material fonte!

Acontece que no filme o grupo de meia-idade na casa dos 50 anos é substituído por um grupo na melhor-idade, todos na casa dos 70 anos! Porque? Por motivos de Fox! E isso não faz SENTIDO NENHUM, já que no livro é mostrado que TODOS tem 50 anos mas corpos em completa forma, com baixo teor de gordura corporal e aparentando bem menos idade, Ou seja, como as pessoas de 50 anos de hoje em dia (engraçado como até os anos 90 as pessoas de 50 anos pareciam beeeem mais velhas, nera não?). No filme, os grupo está só a capa da gaita, os homens tem barriguinha saliente e as mulheres parece o boneco que apresentava Contos da Cripta. A parte mais triste é quando o líder do grupo, que deveria ser atlético, tem que dar uma corridinha em uma cena e o sujeito sai quase em câmera lenta e você chega a sentir a dor em cada junta. No final do filme você fica pensando “Ok, no livro todo o processo secreto deles fazia sentido porque eles ficam mais dispostos e revigorados! Mas, aqui no filme…eles tão fazendo isso pra que? Passatempo? Porque aí já passou do ponto do propósito…”.

E antes que alguém chie dizendo “A idade não é impeditivo de nada! Eu conheço muita gente de 70, 80 e 90 anos com disposição pra dar e vender! Eles tem todo o direito de cuidar da saúde, de fazer caminhada, corrida e organizar seu próprio grupo sinistro pra sumir com pessoas mais jovens!”. Sim, eu concordo! Eu só estou falando do que O LIVRO E O FILME propõem! Apascentem vossos corações!

Sem querer dar spoilers mas dando um pouquinho só, o filme termina de uma maneira mais clichezenta, do tipo feito pra agradar aquela galera que assistiu Garota Exemplar, adorou o filme inteiro mas passou a achar UMA MERDA por causa dos 5 minutos finais quando percebem que as coisas não eram bem como elas achavam durante o filme inteiro e o bem não venceu. O filme acaba com a típica cena de ambulância com o elenco quase rindo igual um final de episódio dos Thundercats. Já o final do livro me surpreendeu positivamente porque eu esperava que fosse terminar assim também mas…não! Ponto pra completa desesperança!

No final, os velhinhos eram viciados em fumar Kryptonita e “O Brilho” do título eram a brasa dos cachimbos brilhando no escuro. A fumaça que subia acaba fazendo mal ao Supérômi Havaiano que quase vai de Fuleco.

Então é isso, meus jovens e minhas jovas! Caso queiram ler esta peça, procurem no sebo mais próximo que você ou acha barato ou lhe dão de troco se não tiverem bala 7 Belo. Na internet você acha a partir de uns R$6,00 (ou até menos, sei lá). Quanto ao filme, ele foi lançado no Brasil com o título de “The Glow: Força Vital” mas acabei descobrindo que não é tão fácil de achar internet afora por motivos de “ninguém liga pra esse troço”. No YouTube tem a versão em inglês sem legenda, a qual eu baixei e depois baixei a legenda em português de Portugal, o que me lembrou que por lá o filme foi lançado com o título “Perigo na Vizinhaça”. Credo…