Ghostwatch: A Live da BBC que levou medo aos ingleses.

E acabou culminando em um trágico acontecimento.

Em 31 de outubro de 1992, noite de Halloween, o canal BBC 1 levou ao ar um especial comemorativo diferente. O programa, nomeado de Ghostwatch, consistia em um programa apresentado pelo jornalista Michael Parkinson que acompanhava por um link ao vivo uma equipe de reportagem em uma casa num bairro inglês onde viviam uma mulher e suas duas filhas e que era alegadamente assombrada. Segundo Pamela Early e suas filhas, Suzanne e Kim, elas ouviam batidas pela casa, sons de algo arranhando as paredes, objetos que eram arremessados ou quebravam do nada e coisas que apareciam escritas e desenhadas em um caderno. Além disso, arranhões apareciam no rosto e pescoço de Suzanne e Kim dizia ver uma estranha figura pela casa.

Além da equipe de investigação na casa, no palco, junto a Michael, estava a Dra. Lin Pascoe, que estudava fenômenos paranormais e já tinha ido a casa estudar os estranhos acontecimentos, chegando a testemunhar e até documentar alguns, e também havia uma equipa atendendo a telefonemas ao vivo de pessoas que poderiam compartilhar suas histórias envolvendo o sobrenatural ou dar suas opiniões sobre o caso. O problema com os telefonemas começa quando algumas pessoas ligam dizendo ter visto coisas na transmissão ao vivo que ninguém no estúdio ou na própria casa viu além de pessoas dizendo que após começarem ver o programa começaram elas mesmas a testemunhar acontecimentos estranhos em suas próprias casas.

No decorrer do programa, coisas vão acontecendo que parecem apontar para uma possível fraude. Porém uma série de estranhos fenômenos que os expectadores começam a notar e a equipe na casa começa a viver, parece apontar pro fato de que que talvez a história da família Early seja perturbadoramente real.

Quando foi exibido pela primeira e única vez pela BBC 1, o programa não apenas foi um sucesso, conseguindo, inclusive, mais de 1 milhão de ligações para o telefone que ficava disponível para os telespectadores, como também deixou muita gente extremamente perturbada, sobretudo as crianças. Por semanas o programa deu o que falar, graças aos acontecimentos assustadores que conseguiu captar em vídeo e o fato de ser ao vivo não deixava margem para armações. Mas eis que é aí onde mora o truque. Apesar de exibido como sendo ao vivo, Ghostwatch foi gravado semanas antes de sua exibição e, obviamente, era um mockumentarie, um falso documentário. Assistindo hoje em dia, fica na cara pelas interpretações mecânicas de alguns dos personagens, outras bem canastronas, alguns acontecimentos que forçam a barra da “realidade” e a progressão da história que segue muito linear, com a pessoas descobrindo coisas e ligando fatos até chegar a conclusões exatas. Mas imagine-se assistindo isso na época sem sacar muito de produção televisiva, sem saber o que era um mockumentarie (Faces da Morte é um e até os anos 2000 era tido como 100% real) achando que era mesmo ao vivo e tendo um jornalista ultra respeitado como apresentador. Agora lembre-se do medo que você tinha assistindo Linha Direta na Globo só que dessa vez um monte de gente está ligando pra emissora e dizendo “Olha, o assassino tá na minha janela agora mesmo ameaçando entrar” e você fica com o cu na mão esperando esse assassino onipresente aparecer na sua janela também. Pois foi mais ou menos isso que aconteceu por lá.

O pior é que o programa foi exibido apenas naquela noite e NINGUÉM da emissora se dignou a dizer “olha, gente, foi uma pegadinha de Halloween”. Ele só viria a ser reprisado em um canal Canadense em 2004 e em um canal Belga em 2008 e só ganharia versão em VHS e DVD em 2002, ou seja, 10 anos com muita gente jurando que era real!

Porém, toda essa repercussão acabou culminando em uma tragédia. Mas antes de falar disso, deixem-me dar meus 2 centavos de opinião sobre Ghostwatch.

Hoje em dia temos um PORRILHÃO de filmes found footage nesse estilo, e ver Ghostwatch não traz novidade alguma. Porém, assistindo com a época em mente e vendo o programa/filme como um pioneiro pra esse filão, ele é um filme muito divertido e até consegue ser verdadeiramente assustador em alguns momentos, além de ter um ritmo mais agradável que muitos found footage lerdaço de hoje em dia. A história é muito bem contadinha e se você ignorar o elenco capenga, ela caba te pegando pelo pé como um fantasma. O mais legal é que várias histórias reais serviram como inspiração direta ou indireta pro roteiro. A mais notável é o caso do poltergeist de Enfield que aconteceu em Londres entre 1977 e 1979 onde duas irmãs diziam experienciar acontecimentos paranormais e o caso chamou a atenção de toda a imprensa inglesa na época. Caso você não esteja ligando o “nome a pessoa”, esse caso serviu de base para o filme Invocação do Mal 2, onde Ed e Lorraine Warren vão investigar e salvam o dia. Um dado curioso é que o filme é uma balela dupla, pois além de exagerar fatos e dar uma origem pra assombração, também mente no fato dos Warren terem sido fundamentais no caso quando, na verdade, eles foram expulsos no mesmo dia em que chegaram pois segundo Maurice Grosse, um estudioso amador do paranormal e que estava ajudando a família, Ed foi até ele e falou em lucrar com o caso, o que deixou Grosse putaço, pois ele verdadeiramente se preocupava com o bem estar da família.

Foto real de Maurice Grosse segurando uma das meninas durante um ataque paranormal em Enfield, Inglaterra.

Outra fonte assustadora de inspiração para a história foi a de Amelie Elizabeth Dyer, que no século XIX (DEZENOVE, sua anta que não sabe ler algarismos romanos) foi presa pelo assassinato de um menino mas era suspeita de ter matado uma média de QUATROCENTAS outras crianças.

O bacana de se assistir Ghostwatch é prestar atenção ao fundo das cenas, pois a entidade que assombra a casa sempre dá um jeito de aparecer. Eu vi ela umas 4 vezes no filme todo, depois vi um vídeo no YouTube que compila as aparições e fiquei bestificado em como deixei passar tantas cenas onde o troço aparece pra “dar um oi”. Não vou falar exatamente do que se trata a entidade e o porque de perturbar a família porque eu achei bacaninha e estragaria a história.

Agora sim, vamos a terrível consequência que o programa/filme teve na vida de um jovem. Martin Denham de 18 anos era uma das pessoas que estava vendo o programa naquele dia 31 de outubro de 1992. Ele ficou vidrado na TV e dias depois ainda se mostrava impactado com o programa. Segundo seus pais, Martin, reclamava que o barulho dos canos do aquecedor o incomodavam e pediu para trocar de quarto sem explicar exatamente o porque. A explicação está em uma cena do filme onde as meninas diziam que ouviam barulhos de batidas nas paredes e seus pais explicavam que eram só os canos. Cano em inglês é “pipe” e em outra cena, a pequena Kim relata que alguém falou com ela e quando é questionada pela mãe, ela responde que foi o “Pipe”, ou seja, a menina usou a explicação dos pais para tentar acalmá-la para nomear a entidade em um momento de sombria ironia. E era isso que estava perturbando Martin, que passou a relatar estar ouvindo e vendo coisas de origem paranormal em sua casa.

Certo dia a policia chega ao trabalho dos pais de Martin e informam que o jovem havia cometido suicídio. Em seu bolso, um bilhete endereçado a mãe dizia ” Se existem fantasmas, então eu agora serei um e estarei sempre com você como um”. Segundo a mãe de Martin, ele não tinha problemas mentais que pudessem servir como explicação para Martin se sentir tão perturbado com o programa a ponto de fazer o que fez. Uma história triste e trágica que teve como gatilho o programa da BBC. Ou será mesmo que Martin via e ouvia coisas que não pertenciam a esse mundo? Claro que a explicação mais lógica foi a mais aceita, e a culpa recaiu inteiramente sobre Ghostwatch.

Uma ação judicial movida pelos pais de Martin levou a uma investigação da BBC pela Broadcasting Standards Comission que disse que a empresa deveria prevenir a audiência de que tudo era uma encenação mas, que ao invés disso, eles instauraram um senso de ameaça real que alarmou muitas pessoas e o caso de Martin foi o drástico resultado dessas ações. Hoje os pais de Martin não nutrem a mesma raiva, mas evitam qualquer coisa com o nome BBC ou Michael Parkinson.

Enfim, apesar de todo o background trágico, Ghostwatch, enquanto entretenimento, diverte e pode até te deixar olhando meio desconfiado pra cantos escuros da casa. Recomendo, apesar de dar um pouco de trabalho pra achar legendado. Tem disponível na Amazon Prime Vídeo americana mas não na do Brasil. Vai entender…

Nota: 7,0

Hellbolha
03/08/2021