Formatinhos pra se ter: Thunderbolts Especial

“Quem lê formatinho hoje em dia?”. Eu leio! E pau no c* dos encadernados caros pra porra da Panini!

Recentemente fizemos uma live falando sobre formatinhos (que também foi transformada em podcast para sua comodidade) onde lembrávamos nossas primeiras leituras e alguns formatinhos que nos marcaram. Obviamente, como acontece com todo velho quando fala de coisas de sua época, nos deu vontade de reler alguns formatinhos que ainda temos. E foi o que eu fiz! Reli uma das melhores coisas dos anos 90 que resultaram de uma das PIORES coisas dos anos 90, que foi Heróis Renascem. Apesar desse suspense simulado, obviamente você já sabe que estou falando de Thunderbolts, uma criação de Kurt Bursiek em parceria com o desenhista Mark Bagley e que deu dão certo que perdura até hoje na casa das idéias.

Tendo feito sua estréia numa historieta rápida na revista Tales of the Marvel Universe 1 de fevereiro de 1997, o grupo só chegaria ao Brasil em Marvel 98 Nº12 da editora Abril que republicava essa mesma historieta, faria uma nova aparição em Marvel 99 Nº01 enfrentando o Hulk e em seguida ganharia a edição especial própria que dá título a esse post.  Em fevereiro de 1999 chegava as bancas a edição com 160 páginas, o que a categorizava como “especial” MESMO naquela época, capa mole, papel vagabundo de formatinho e mostrava as primeiras aventuras do grupo além da chocante revelação de sua identidade.

Fonte da imagem: Guia dos Quadrinhos

A história dos Thunderbolts começa quando alguns dos maiores heróis da Terra precisam se sacrificar para derrotar a criatura chamada Massacre, que nasceu da cruza da mente do professor Xavier com a do Magneto quando o careca mutante tentou apagar a mente do imã mutante do mal. Os tombados em combate foram os Vingadores e Quarteto Fantástico, que deram suas vidas heroicamente para que a Marvel pudesse reformular suas revistas que vendiam menos que ingresso pra filme do Edir Macedo. E seus sacrifícios não foram em vão, porque resultaram na série Heróis Renascem, que foi UM LIXO FEDORENTO, mas que rendeu um divertido Argcast com as participações do Evandro e minha também! Clique na imagem abaixo pra ver!

Com a falta de dois dos maiores grupos de heróis da Terra, os malfeitores andavam fazendo a festa, sobretudo na área devastada pela batalha contra o Massacre, ponto para saques e negociações criminosas já que tinha virado uma terra sem lei. Obviamente os super-vilões e arqui-inimigos dos dois grupos andavam roubando esmola de cego e chutando cachorro  com total liberdade, já que não havia quem os antagonizasse. E foi percebendo essa falta que a equipe dos Thundebolts surgiu para fazer a diferença. Vindos não se sabe de onde , a equipe formada pelo gigante Atlas, o super-sônico  Mach-1, a jovem de voz poderosa Soprano, o mestre da tecnologia  Tecno, a superpoderosa Meteorita e comandadas pelo misterioso porém nobre Cidadão V, logo caíram nas graças do povo e da mídia. O fato de ter como Q.G. uma velha pizzaria abandonada demonstrava que não faziam o que faziam por dinheiro ou fama, mas por puro altruísmo. Isso também comoveu o povo e encheu os olhos do prefeito de Nova Iorque com a possibilidade de se promover as custas da equipe, oferecendo a eles o desocupado Four Freedom Plaza, prédio do recém falecido Quarteto Fantástico, além de oferecer todo e qualquer equipamento que a equipe precisasse sem custo algum. Parecia bom demais pra ser verdade pra todo mundo. E era…

Acontece que a nova super-equipe queridinha do povo nasceu de uma idéia do Barão Zemo, que adotou a identidade do Cidadão V e transformou o resto dos Mestres dos Terror, grupo que ele comandava antes e que era composto pelo Besouro, Armador, Rocha Lunar, Colombina e Golias, nos demais “heróis” de seu novo “super grupo”. O plano era perfeito, ganhar fama e fortuna e ainda ser adorado por todos que antes os odiavam fingindo serem heróis e, por vezes, podendo prejudicar velhos inimigos sem levantar suspeitas sempre que a chance aparecesse.

Kurt Bursiek é uma daquelas poucas perolas que ainda insistiam em permanecer no mar de merda que foram os quadrinhos de super-heróis dos anos 90. O sujeito conseguiu criar coisas memoráveis e reverenciadas até hoje em uma época onde músculos, trabucos, pochetes e colorização digital eram o embrulho para algumas das piores histórias já criadas. Nos anos 90 ele lançou Marvels ao lado de Alex Ross, trouxe os Vingadores de volta da porcaria que foi Heróis Renascem para o universo 616 ao lado de George Perez em uma das fases mais elogiadas do grupo até hoje, criou Astro City entre tantas coisas. E em Thunderbolts ele conseguiu criar algo novo, divertido e que ainda traziam conflitos interessantes para os personagens.

Kurt Bursiek ao lado de Alex Ross nos anos 90. Parecem dois personagens de desenho animado…

A edição da Abril traz as edições 1 a 4 da revista mensal da equipe além da edição Spider-Man Tem Up Nº07 onde eles, obviamente, encontram o cabeça de teia. Em ordem, nas primeira das cinco partes da história eles enfrentam um grupo de bandidos chamados Ratos do Deserto que não são grande coisa mas acaba culminando em um conflito com a Gangue da Demolição, que havia acabado de recuperar seus poderes, perdidos em alguma revista da época da qual não faço idéia. Em meio ao conflito, a equipe encontra tempo pra se apresentar publicamente a imprensa e, após vencer a Gangue da Demolição e consertar a Estátua da Liberdade que havia sofrido danos durante o conflito, acabam caindo de vez nas graças da população. No final dessa primeira parte é revelado que os heróis na verdade são os vilões anteriormente conhecidos como  Mestres do Terror. Lembro que achei isso legal pra caramba quando li na época. E acho até hoje, na verdade…

Na segunda parte eles enfretam o andróide do Pensador Louco que tenta seqüestrar Franklin Richards durante as inauguração do memorial aos heróis caídos durante o Massacre. O Pensador Louco queria tirar as memórias inconscientes do garoto afim de descobrir segredos tecnológicos do falecido Reed Richards que Franklin tivesse visto enquanto estava junto do pai. Após quase perderem a batalha pro andróide que podia se mutiplicar e emular os poderes da equipe (é claro), eles conseguem resgatar Franklin e recebem a proposta do prefeito de ocupar o Four Freedoms Plaza como seu novo quartel general e só aceitam depois que Franklin dá a sua benção para tal.

Na terceira parte temos a história da Spider-Man Team Up Nº07 com os Thunderbolts sendo incumbidos de caçar o Homem-Aranha após esse ser acusado de matar um guarda noturno durante uma invasão a uma empresa especializada em tecnologia. O grupo vê uma oportunidade de acabar com um velho inimigo com o aval da opinião publica, sendo ele culpado ou não. Porém acontecimentos inesperados levam a uma aliança entre a equipe e o amigão da vizinhança e Mach-1, que acaba em dividida com seu antigo inimigo dos tempos que ele era o Besouro, acaba inocentando o Aranha da acusação.

 Na quarta parte a equipe acaba ajudando Natasha Romanov, a Viúva Negra, contra os novos Mestres do Terror. O divertido é que o Barão Zemo fica ofendidíssimo por terem criado um novo Mestres do Terror, inclusive dando um sermão na nova líder do grupo dizendo que o grupo original jamais se rebaixaria a qualidade de meros capangas de ninguém pois eles eram “mestres”, quase estragando o seu disfarce. Por sorte, apesar do absurdos do discurso, ninguém se dá conta e passa batido. Quer dizer…a história fecha com a Viúva encarando o grupo em silêncio com uma cara não muito boa…

Na quinta e ultima parte,o grupo descobre que tem uma intrusa em sua base. Uma adolescente chamada Hallie Takahama que obteve super-poderes após passar por torturas no castelo do Dr. Destino. Mas o Dr. Destino havia morrido durante o Massacre e a equipe vai até lá investigar e acaba descobrindo que o responsável era Arnim Zola que seqüestrou órfãos do Massacre (entre eles, Hallie) para seus experimentos apenas porque…estava entediado! A equipe enfrenta os monstros criados por Zola e os derrota e Hallie acaba descobrindo que os outros órfãos de quem ela tomava conta, tiveram um destino bem pior que o dela. Ao fim, Hallie acaba entrando pra equipe por sugestão de Meteorita mas muito a contragosto do Cidadão V, e a edição tem seu fim.

Além das aventuras com ação quase non-stop, as histórias de Bursiek tem muitos elementos bacanas a se destacar. A começar pela equipe, que apesar de ser um bando de vilões fingindo serem heróis, acabam sendo muito carismáticos. Alguns pelo fato de apesar de serem vilões, não serem necessariamente ruins, apenas escolhendo caminhos errados pela vida. Outros pela persona que criaram para seus personagens que acabam sendo um contraponto gigante a sua personalidade real. E isso é gritante no Cidadão V/ Barão Zemo. Seu Cidadão V é completamente calcado no Capitão América, sempre digno e justo, com um discurso bonito e inspirador pra disparar diante das câmeras. O fato de usar ombreiras com as cores da bandeira americana meio que mostram, num tom de zombaria, que só é preciso mirar no patriotismo exagerado dos americanos pra conseguir sua confiança. Isso também fica evidente quando  a Gangue da Demolição ameaçam destruir a Estátua da Liberdade ao que Tecno responde “É só pedra!” ao que o Cidadão V manda um “Não…ela é mais que isso!”. Obviamente o Barão Zemo não ligaria pra Estátua, sobretudo por suas raízes familiares nazistas, mas como ele sabe que a imprensa está sempre de olho, apelar ao patriotismo é sempre garantia de boa posição ante a opinião publica.

Outro elemento bacana está no fato de que alguns dos Thunderbolts vão pegando gosto pelo lado heróico. Acostumados sempre a serem temidos e odiados (X-Men manda aquele abraço), alguns dos ex-Mestres do Terror acabam pegando o gosto por ajudar e ter gratidão e popularidade como recompensa. Isso começa com Meteorita/Rocha Lunar (a troca de nomes menos original da equipe) e vai se espalhando por outros membros da equipe. O interessante de Meteorita é que sua “versão civil” era uma psiquiatra e ela vai estudando cada um de seus colegas, sobretudo o Capitão V/ Barão Zemo afim de manipulá-los mais adiante.

Sobre os desenhos, creio que Mark Bagley foi um dos principais culpados por me fazer comprar a revista em 1999. Bagley era um de meus desenhistas favoritos do Homem-Aranha, seu traço era diferente dos “Jim Lee Wannabe” e tinha um toque muito próprio,com um toque mais dinâmico e uma musculatura mais “pontiaguda”, por assim dizer. Traçando um paralelo, sua arte me lembrava um Mark Silvestri dos anos 80 (outro que, infelizmente, teve que adequar seu traço a “Jim Leemanina” do inicio dos anos 90). Seus desenhos estão ótimos até hoje e arrisco a dizer que são melhores que no seus primórdios em Homem-Aranha Ultimate, onde ele desenhava muito apressadamente e sem refinamento algum.

A história do crossover com o Homem-Aranha é desenhada pelo injustiçado Sal Buscema. Tendo passado um longo período na revista do Aranha nos anos 90, era tido com um dos piores desenhistas do título. O problema é que seus desenhos eram finalizados por Bill Sienkiewicz que rabiscava a porra toda! Aqui, com a arte final de  Dick Giordano, fica mais que provado que se tivessem mantido o Sienkiewicz longe do pobre Sal, ele poderia ser lembrando como um dos bons desenhistas do Aranha até hoje.

Agora uma reclamação quanto ao trabalho de adaptação da Abril. Como era comum, devido ao tamanho reduzido da revista em comparação com a versão original americana, muitos textos eram resumidos, modificados ou simplesmente ignorados. Até aí tudo bem, quem cresceu lendo formatinhos nem liga, contanto que o sentido da história se mantenha. Mas nessa edição em especial houve algo que me incomodou demais e eu não me lembrava. Os textos são “picotados” demais! Explicando melhor: As vezes os diálogos ou mesmo os recordátorios tem frases únicas que são divididas em até 4 balões/painéis diferentes, quebrando o ritmo de leitura. Algo mais ou menos assim:

Eu vou…

…ao supermercado…

…comprar leite…

…ovos….

…sabão e…

…queijo.

Se isso acontecesse uma vez ou outra, tudo bem. Mas é O TEMPO TODO! Fui ver a versão original pra ver se era assim também, mas não acontece nem metade da metade das vezes da edição da Abril. Faltou um pouco mais de tato aqui.

Esses primeiro arco de histórias voltou a ser publicado no Brasil pela Salvat na edição Nº98 da coleção “Os Heróis Mais Poderosos da Marvel”, vulgo “Salvat Vermelha”. Essa edição traz as duas histórias introdutórias da equipe publicadas no Brasil na Marvel 98 Nº12 e na Marvel 99 Nº01 e as edições 1 a 5 da revista regular da equipe. Ou seja, o encontro com o Homem-Aranha foi deixado de fora e deu lugar a edição 5 que nos tempos da editora Abril saiu na Marvel 99 Nº09 de setembro daquele ano fazendo uma ponte pro segundo encadernado da equipe lançado pela Abril em outubro de 1999 e continuando da edição 6 além de trazer uma série de historietas contando como o Barão Zemo recrutou membro por membro. Essas historietas, aliás, completam a edição da Salvat. Aqui cabe notar um erro GROSSEIRO da Salvat que colocou na capa “Os Thunderbolts de Peter David e Mike Deodato” sendo que as histórias da dupla foram publicadas apenas na coleção de capa preta (e que é ótima!).

O erro violento da Salvat que deve ter pego muita gente de surpresa quando abriu a HQ e não achou nem Peter David nem Mike Deodato. Fonta da imagem:Guia dos Quadrinhos.

Enfim, Thunderbolts Especial da editora Abril  provou que ainda me diverte tantos anos depois. Se acharem num sebo baratinho, podem pegar sem medo. Ou até a versão da Salvat também, que hoje em dia se encontra a 15 ou 20 contos graças ao olho grande da editora e aos encalhes decorrentes disso.

E no próximo “Formatinhos pra se ter” vou falar do segundo e último encadernado dedicado a equipe lançado pela Abril onde a palavra “especial” alcançou novos patamares graças a uma…CAPA CARTONADA! Até lá!