FORMATINHOS PRA SE TER: GRANDES HERÓIS MARVEL º47

A sequência pouco lembrada de A Queda de Murdock.

Em janeiro de 1986, dois anos após sua passagem no título, Frank Miller finalmente volta ao Demolidor. O título vinha sendo escrito pelo lendário Denny O’Neil e desenhada por um ainda desconhecido David Mazzuchelli.  A edição 226 lançada nesse mês tinha o roteiro escrito a quatro mãos por Miller e O’Neil. Em fevereiro, Miller assume o título sozinho e resolve que dessa vez não o desenharia, não queria tirar o emprego do jovem Mazzuchelli. E foi na edição 227 lançada naquele mês que Miller voltaria a se consagrar como um dos melhores (se não O MELHOR) escritor do Demolidor e que David Mazzuchelli seria alçado ao status de estrela e se tornaria referência para toda uma nova geração de desenhistas. Foi naquela edição 227 de fevereiro de 1986 que começava o arco Born Again, conhecido no Brasil como A Queda de Murdock.

Se estendendo por sete edições da mensal do personagem, a história contava como Karen Page, ex-namorada de Matt Murdock, entregava o segredo do advogado cego a um criminoso em troca de um pico de heroína, vicio em que a personagem havia se afundado violentamente. O tal bandido entrega a informação ao maior inimigo do Demolidor, Wilson Fisk, mais conhecido no submundo como O Rei do Crime. Fisk, então, leva a cabo um plano para destruir Matt, primeiramente atingindo-o no psicológico, tirando tudo que o advogado cego tinha, desde sua casa e dinheiro até o seu direito de exercer sua profissão. Em seguida, confrontando um Matt Murdock a beira da loucura, o espanca e o joga em um rio dentro de um táxi e embebido em whisky afim de fazer parecer que havia sido uma morte acidental. Porém Matt sobrevive e vai em busca de vingança. Mas nada é heroico e imediato! Antes ele vai precisar passar por um processo de cura física e espiritual, sobretudo quando finalmente conhece sua mãe, que o abandonou junto ao pai anos atrás.

A Queda de Murdock é um dos grandes clássicos da Marvel, porém nunca foi planejado como tal, tanto que foi publicada na mensal do personagem e não em uma mini série especial nem nada do tipo. No Brasil, por exemplo, sua primeira publicação foi em Superaventuras Marvel Nº62, que era o título onde o personagem era publicado regularmente já que não tinha o luxo de possuir um título próprio. Foi republicada novamente pela Abril em 1990  em Demolidor Especial Nº02 que encadernava, ainda em formatinho, a saga completa. A editora voltaria a republicar a história em 1999, dessa vez em formato americano numa mini série em quatro partes com as capas COMPLETAMENTE DESTOANETES do desenhista brasileiro Roger Cruz, que nessa época emulava o traço “americamangá” de Joe Madureira. É essa mini série que tenho e essas capas me doem até hoje! Não, eu não tenho nada contra os desenhos do Roger Cruz, muito menos contra o desenhista, que só estava fazendo seu trabalho, coitado! Eu gostava do desenho dele nas história do X-Man que eram publicadas na revista dos X-Men (O X-MAn era um personagem, uma jovem cópia do Cable chamada Nathaniel Gray, e os X-MEn eram a famosa equipe, caso você tenha ficado confuso), mas é como eu sempre digo, tem certos traços que não casam com certas histórias, e o traço “americamangá” definitivamente não casa com histórias sérias e densas como A Queda de Murdock. E, honestamente, a Abril tinha SETE  capas FANTÁSTICAS desenhadas pelo Próprio Mazzuchelli pra escolher! Fazer o que, né…

A história só voltaria a ser republicada no Brasil pela Panini em 2010 numa edição de luxo  em capa dura, depois passaria pela coleção preta da Salvat em 2013 ( que deve ter sido a oportunidade de muita gente conhecer a história graças aos encalhes da editora sendo vendidos a 20/25 contos por aí) e voltaria a ter uma reimpressão da edição de luxo da Panini em 2017.  Alguns pontos da história também serviram de base para a terceira temporada da finada e saudosa série do personagem na Netflix (junto com umas pitadas de Diabo da Guarda do Kevin Smith com o Joe Quesada).

Sim, já deu pra entender que A Queda de Murdock é uma baita de uma história que revolucionou o universo do personagem pra sempre e serve de referência até hoje, né? O que pouca gente sabe ou lembra, é que ela teve uma “sequência”. Mas nada muito imediato! Aparentemente o editor da época, Ralph Macchio (Não! Não é o carinha do filme Karatê Kid! Eu também achava que era quando era moleque, mas a realidade é mais sem graça) terminou de ler o arco de Miller e Mazzuchelli e pensou “Ok…o clima pesou um pouquinho aqui…vamos dar uma maneirada, gente?”. E foi assim que a edição 234, que seguia o fim de Born Again, dava lugar a uma história com tons mais cômicos e inocentes ao melhor estilo das primeiras histórias do Demolidor, dessa vez escrita por Mark Gruenwald e desenhada por…vejam vocês…Steve Ditko!

A arte de Ditko estava na capa e no miolo mas a arte final de Klaus Janson tentava emular a fase de Frank Miller.

Outros escritores de menor renome e muitos desenhistas, alguns renomados como Sal Buscema e Barry Winderson-Smith, e outros ainda não tanto, como Rick Leonardi e Todd McFarlane, passaram pelo título com histórias que variavam de leves a mais pesadas. Mas foi apenas CINCO ANOS e SESSENTA EDIÇÕES depois que o escritor Dan “D.G” Chichester e o desenhista Lee Weeks voltariam a revisitar os acontecimentos de Born Again/ A Queda de Murdock. Mais especificamente na edição Nº297 do ano de 1991 em um arco de quatro partes intitulado Last Rites, que no Brasil ficou conhecido como A Queda do Rei do Crime, publicado pela editora Abril em Grandes Heróis Marvel Nº 47 de 1995.

Na trama, FINALMENTE Matt Murdock/Demolidor resolve dar o troco em Wilson Fisk/Rei do Crime após fazer ele comer o pão que o diabo amassou e ainda passou maionese caseira. Pra começar, o Demolidor acaba seduzindo Mary Tyfoid, que nessa época era um tipo de guarda costas/ amante do rei. Porém a personalidade boazinha de Mary (sim, caso você não conheça a personagem,ela tem, dupla personalidade,uma meiga e gentil e outra doida de dar com o pau. Ah, e ela aparceu na segunda temporada daquele LIXO que foi a série do Punho de Ferro) era apaixanda por Matt Murdock, e ele usa isso pra manipulá-la, fazê-la voltar a sua forma “dócil” e mandar a moça pra um hospício.

Só que, ao contrário de Wilso Fisk, Matt Murdock não “faz mal” a ninguém sem sentir o peso de suas ações.

Em seguida, o Demolidor usa um bandido meia-boca pra espalhar boatos de que a Hidra tinha Wilson Fisk na mão. Acontece que Fisk era dono de muitos empreendimentos a essa altura, incluindo uma rede de TV. Mas de acordo com a lei, nenhuma empresa estrangeira podia financiar uma TV americana. Assim sendo, ao mesmo tempo que todo o submundo acaba acreditando que Fisk estava se subordinando a Hidra, o que não era verdade, o tal boato escancarou o financiamento do grupo terrorista a sua rede de TV, o que era verdade. Com isso, muitos outros chefes do crime, antes subordinados a Fisk, agora viam uma possível fraqueza no Rei já que ele se curvava a Hidra, e começaram a exigir novos acordos com o sujeito ameaçando destruir parcerias e denunciar o Rei as autoridades caso ele não os aceitasse. Ao mesmo tempo, a Hidra vai tirar satisfações com o Rei pelo vazamento de informações e uma guerra começa quando Fisk tenta matar um representante das Hidra em Nova Iorque mas começa a ser retaliado  pelo grupo terrorista que esvazia as contas do gorducho do mal e destrói todos os imóveis que serviam como base de negócios para ele.

Sem dinheiro nem respeito dos demais criminosos da cidade, Fisk descobre que o responsável por tudo era o Demolidor através do próprio que faz questão de tripudiar do declínio do Rei pessoalmente. Quase enlouquecido pelo ódio, Fisk recebe uma última chance de vingança e de se reerguer graças a um acordo de uma senadora. Segundo o acordo, Fisk teria ajuda se descobrisse pistas sobre o assassinato de John Gold, primo da senadora. Acontece que Gold era taxista e foi encontrado morto em um táxi no fundo de um rio. A pericia averiguou que o taxista foi morto por vários golpes na cabeça antes de ser desovado no banco traseiro do veículo sob as águas. Agora…lembram quando eu falei láááá em cima, ainda em A Queda de Murdock, como Matt foi espancado, embebido em whisky e jogando em um rio dentro de um táxi pra parecer morte acidental. Então…adivinha de quem era o táxi, adivinha de quem era o corpo no banco traseiro e adivinha de quem eram as digitais no bastão usado pra matar o sujeito…

Rapidamente Wilson Fisk vai a uma loja de penhores onde deixou o bastão tempos atrás, mas sem dinheiro pra pagar pela retirada, tenta passar um cartão de crédito que é recusado. E é nesse momento em que o Demolidor aparece afim de recuperar o bastão e destruir a última chance do Rei de se reerguer. Uma perseguição acontece após o Rei tirar o bastão a força (e MUITA força, diga-se de passagem) das mãos do dono da loja de penhores, e após muita correria, pancadaria, dedo no cu e gritaria,o Demolidor recupera o bastão e o joga no fogo, destruindo as amostrar de DNA e as digitais.

E eu adoro essa página do Demolidor derrubando o Rei do Crime do primeiro andar de um shopping em cima de uma escultura.

A história termina com o Rei sendo solto da prisão graças ao pagamento da fiança pelo chefe de uma das famílias mafiosas que antes eram subordinadas a ele,porém o sujeito queria fazer de Fisk um empregadinho comum, do tipo que vai pegar as camisas na lavanderia.Obviamente que essa afronta não acaba bem pro sujeito…e o Rei acaba foragido da máfia, mas pronto pra tentar sua escalada criminosa novamente. Já Matt consegue sua licença para advogar novamente graças a um acordo do Demolidor com uma promotora pública federal afim de entregar provas contra Wilson Fisk.

A Queda do Rei é uma boa história do Demolidor! Não está nem minimamente perto de ter o impacto da trama ou do visual de A Queda de Murdock, mas aí seria pedir demais! Dan “D.G.” Chichester não é um roteirista de renome e não tem obras grandiosas celebradas até hoje como Frank Miller. Se você fizer uma pesquisa com os trabalhos do sujeito publicados no Brasil ou mesmo lá fora, vai notar que não se tem muita coisa digna de nota. Alguns podem lembrar dele como o roteirista da edição especial do Wolverine chamada Fúria Interior publicada pela editora Abril de 1993 e que contava com os desenhos de Bill Sienkiewicz. Ou talvez nem isso! Como eu disse, não há trabalhos de grande expressão no currículo do sujeito.

Já o desenhista Lee Weeks é aquele sujeito que você lê/ouve o nome  e pensa “Aaah, esse é aquele cara que desenhou o…que desenhou a…que desenhou…EU SEI que ele desenhou alguma coisa que eu li, mas não lembro exatamente o que! “, afinal o sujeito tá aí até hoje. Seu desenho é muito bom e ele claramente tenta emular o trabalho do David Mazzuchelli aqui pra deixar mais clara a ligação entre as histórias, mas seus esforços não arranham sequer a genialidade que Mazzuchelli deixou transparecer nas páginas de Born Again/A Queda de Murdock. Se quiser saber mais sobre todo o incrível processo criativo do desenhista de quadrinhos que não queria ser desenhista de quadrinhos, deixo abaixo um link para um vídeo do nosso padrinho, Daniel HDR, onde ele explica todas as nuances do trabalho do Mazzuchelli pro título. Só aconselho ver o vídeo se estiver completamente sozinho(a), ou com volume baixo ou ainda com fones de ouvido, pois em muitos momentos o HDR quase tem orgasmos falando do trabalho do Mazzuchelli e pode soar meio esquisito pra um transeunte desavisado…

Uma coisa muito estranha é como essa história não ganhou encadernado até hoje! Nem sequer na coleção de capa vermelha da Salvat, que publicava QUALQUER COISA! E, comparado a muito do que foi publicado nessa coleção, A Queda do Rei seria uma obra prima dentro dela! E não é por falta de uma edição especial americana pra tomar como base, pois a história foi publicada em uma edição especial lá foram em 1993. Bem, já que o formatinho é o único meio possível de se ler essa história por aqui, o bom é que ela sempre se encontra a preços bem baixos, já que nunca recebeu a devida importância dentro do cânone do personagem. Ainda assim, é uma boa história do Demolidor e um formatinho que vale a pena ter.